Em fevereiro de 2018 os cientistas Kate E. Donald, K. M. Mohibul Kabir e William A. Donald, da Austrália publicaram no periódico Expert Opinion on Therapeutic Patents o artigo intitulado Tips for reading patents: a concise introduction for scientists[1] (algo como Dicas para ler patentes: uma breve introdução para cientistas), focado na área de química, especificamente química de compostos orgânicos e farmacêuticos. O artigo é excelente e vale a leitura!
Inspirada nele, resolvi listar minhas dicas para a leitura de patentes de software e aplicativos. Primeiramente, preciso explicar que, no Brasil, conceitualmente não se usa o termo patente de software, visto que, para o INPI, software é ligado ao código fonte e não ao processo ou método patenteável em si. Por aqui é utilizado o termo patente envolvendo invenções implementadas por programa de computador. Então daqui em diante, sempre que eu falar em patente de software ou de aplicativo, entenda que me refiro a patente envolvendo invenções implementadas por programa de computador.
No Brasil, este tipo de patente já é concedida e temos inclusive o marco regulatório aprovado e publicado pelo INPI, através da Resolução INPI/PR nº 158, de 28 de novembro de 2016[2], que institui as diretrizes de exame de pedidos de patentes envolvendo invenções implementadas por programa de computador.
Muitas empresas e universidades protegem suas invenções que são comercialmente valiosas, fruto de pesquisa, usando patentes, tornando a literatura de patentes uma fonte rica das últimas pesquisas de ponta. Enquanto os desenvolvedores criam os dados que chegam às patentes, estes raramente possuem o hábito de ler patentes.
Assim, através destas dicas práticas, apresentamos sugestões que podem ajudar estas pessoas que não leem regularmente documentos de patente a localizar as principais descobertas científicas divulgadas pelos titulares de patente. Essas dicas apresentarão ao leitor: (i) a estrutura geral das patentes e as seções das patentes que os desenvolvedores poderão achar particularmente úteis; e (ii) alguns fatores a serem lembrados ao usar os dados divulgados na literatura de patentes, como o tempo de vida da patente, as jurisdições e os processos de revisão de patentes. Embora este não seja um guia abrangente e completo para a leitura de patentes, a natureza acessível dessa introdução informal à leitura de patentes deve ajudar os desenvolvedores a fazer um uso mais eficaz da pesquisa de ponta divulgada nas patentes.
Como as patentes são normalmente obtidas para invenções que ainda não foram divulgadas ao público (por causa do primeiro requisito de patenteabilidade, que é a novidade), os pedidos de patente costumam ser o primeiro relato de informações de pesquisas comercialmente valiosas. No entanto, a maioria das pessoas que trabalha com pesquisa e desenvolvimento raramente lê (e frequentemente evitam ler) patentes. Por quê? Porque estas são vistas como documentos longos e complexos. Além disso, o grande número de patentes em uma determinada área pode ser assustador.
Na literatura, há alguns artigos que descrevem e discutem a estrutura das patentes. No entanto, os artigos nesta área destinam-se a engenheiros e advogados e não fornecem conselhos sobre como localizar descobertas científicas em patentes. Aqui, fornecemos uma coleção informal e breve de dicas e sugestões para tornar as patentes mais acessíveis a profissionais de pesquisa e desenvolvimento, mais especificamente da área de software e aplicativos. Este tutorial não é um guia completo para a leitura de patentes e é apresentado de uma forma que esperamos que forneça uma introdução simples e concisa que seja fácil e agradável de ler.
Quando uma instituição protocola um pedido de patente, este incluirá uma versão da patente que o requerente gostaria que o examinador de patentes revisasse e avaliasse. Uma vez que esta versão da patente é protocolada, ela normalmente permanecerá confidencial por um período de 18 meses. Após estes 18 meses, esta versão será publicada como um “pedido de patente” com um número de identificação e (em muitos países) o número de identificação será seguido pela letra “A”.
Exemplo de Pedido de patente [3]
Depois que o examinador avalia o pedido de patente e verifica que ele atende aos requisitos de patenteabilidade (e o solicitante atende aos vários requisitos administrativos), o pedido de patente será concedido e passa a ser chamado de “patente concedida”, ou apenas como “patente”. Em alguns países, a patente concedida terá o mesmo número do pedido de patente, mas com a letra “B” ou, eventualmente, “C” após o número. Em outros países (principalmente EUA e Japão), a patente concedida será publicada com um número diferente do pedido de patente. O ponto principal é que o pedido de patente será a primeira divulgação pública das descobertas científicas e das pesquisas de seus concorrentes.
Exemplo de patente concedida [4]
As patentes são direitos territoriais (em outras palavras, uma patente concedida apenas protege uma invenção no país que concedeu a patente). Se a instituição quer proteção de patente em vários países, deve protocolar (dentro de um determinado período) um pedido de patente em cada um desses países. Uma alternativa, para reduzir os encargos administrativos, é apresentar um pedido PCT. O PCT é administrado pela WIPO e é um tratado multilateral que permite requerer a proteção patentária de uma invenção, simultaneamente, num grande número de países, por intermédio do depósito de um único pedido internacional de patente. O PCT reduz a burocracia porque, após um período de tempo, o pedido PCT é convertido em muitos pedidos de patentes estrangeiras individuais, uma em cada país onde a proteção por patente é solicitada. Os pedidos PCT são identificados pela sigla WO.
Exemplo de patente PCT [5]
Antes de ler uma patente, você precisa entender a estrutura geral deste tipo de documento, ou seja, que tipo de informação está geralmente descrita em cada seção do documento. Para aqueles que não estão familiarizados com a leitura de patente, conhecer os objetivos de cada seção e onde as principais informações estão localizadas economizará tempo precioso. A maioria dos documentos de patente estão estruturados da seguinte forma:
O título de uma patente deve indicar de forma clara e concisa a categoria geral da invenção (por exemplo, um produto, processo, aparelho, sistema, método) e a invenção (por exemplo, uma transferência de atualizações ou acesso flexível a dados internos). O título deve identificar a invenção da maneira mais específica possível. No entanto, uma patente concedida pode ter um título diferente do pedido de patente correspondente, e essa mudança de título pode refletir adequações em resposta a exigências técnicas do escritório de patentes. Apesar da exigência de especificidade, alguns titulares de patente buscam títulos amplos que podem não ser de grande ajuda para os leitores que estão lendo o documento.
Breve resumo da invenção e suas características técnicas mais relevantes. Deve também indicar o campo técnico ao qual a invenção pertence e identifica o problema técnico que a invenção procura resolver.
Descreve o que era conhecido no campo técnico no momento em que o pedido de patente foi protocolado e normalmente identificará o problema específico que a invenção procura resolver.
Esta seção deve apresentar um breve resumo da invenção e explicar como a invenção resolve o problema identificado no estado da técnica.
A maioria das patentes de software e aplicativos incluem ilustrações que ajudam a explicar a invenção, chamadas de “desenhos”. Nas patentes de software e aplicativos é muito comum esta seção apresentar diagramas contendo o esquema de como a informação será captada, armazenada e processada no sistema a que se refere. Se o titular da patente incluir desenhos, esta seção da patente conterá uma lista e uma breve descrição de cada desenho.
Exemplo de desenho em patente [6]
Descreve a invenção em detalhes suficientes para permitir que uma pessoa qualificada execute o método e / ou produza o produto divulgado na patente. Portanto, dependendo da invenção, esta seção conterá detalhes sobre o melhor método para usar e /ou fabricar a invenção e pode incluir informações sobre os materiais a partir dos quais a invenção pode ser construída, a forma como a informação será processada no sistema/método de uma invenção, bem como as fórmulas ou cálculos para se chegar ao resultado esperado. Esta seção também pode definir certos termos usados em outras partes da patente.
Definem precisamente a invenção que é protegida pela patente. São as reivindicações que delimitam o que está protegido e o que já era parte do estado da técnica. No Brasil, as reivindicações devem conter, obrigatoriamente o termo CARACTERIZADO POR, e apenas o conteúdo após este termo é que está protegido pela patente. A primeira reivindicação incluirá tipicamente apenas as características essenciais da invenção. Com frequência, haverá reivindicações adicionais que se referem à esta primeira reivindicação mais ampla, chamadas de “reivindicações dependentes”.
Se houver desenhos incluídos na patente, eles podem aparecer no início ou no final do documento, dependendo do país. Os desenhos geralmente indicam as características essenciais da invenção usando números de referência.
Considerando a estrutura dos documentos de patente e ao revisar uma patente pela primeira vez, um bom lugar para começar é o resumo. Ao contrário dos artigos de periódicos científicos que geralmente têm títulos bastante informativos, os títulos de patentes geralmente fornecem pouca orientação referente ao conteúdo da patente. O resumo é muito mais informativo.
É importante ler as reivindicações. As reivindicações definem a invenção que é protegida por uma patente, e o titular da patente tem direito de exclusividade sobre essa invenção, conforme reivindicado. As reivindicações são geralmente elaboradas de modo a estender o escopo de proteção da invenção (e, portanto, o direito de exclusividade) aos seus limites mais amplos e, como tal, podem usar linguagem não científica para descrever as características da invenção.
Como as patentes são direitos territoriais limitados ao país em que são concedidas, a mesma patente pode ter diferentes reivindicações em diferentes países. Se você deseja fazer uso de uma patente concedida fora de seu país, recomendo que você verifique se existe uma patente correspondente em seu país e também verifique se há patentes PCT. Se não tiver certeza, recomendo que você procure aconselhamento de um especialista em patentes.
Uma vez que a patente seja concedida, o titular da patente poderá tomar medidas para contra uso ilegal da invenção (mesmo que a patente em questão fosse apenas um pedido de patente no momento do uso ilegal).
A maioria das patentes tem uma duração de 20 anos a partir do seu protocolo. Durante este período de tempo, existem taxas que devem ser pagas anualmente e que, se não forem efetuadas, podem acarretar no cancelamento da patente. É importante procurar aconselhamento com um especialista em patentes antes de fazer uso de tecnologia contida em uma patente durante sua vigência. Após os 20 anos de exclusividade, a tecnologia descrita entra em domínio público.
No geral, esperamos que esta introdução informal à leitura de patentes encoraje mais desenvolvedores a ler a literatura de patentes e fazer uso da pesquisa de ponta divulgada em patentes e pedidos de patentes.
[1] Kate E. Donald, K. M. Mohibul Kabir & William A. Donald (2018) Tips for reading patents: a concise introduction for scientists, Expert Opinion on Therapeutic Patents, 28:4, 277-280, DOI: 10.1080/13543776.2018.1438409 (https://doi.org/10.1080/13543776.2018.1438409)
[2] INPI, Resolução nº 158, de 28/11/2016 – Institui as Diretrizes de Exame de Pedidos de Patentes Envolvendo Invenções Implementadas por Programas de computador (http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/arquivos-dirpa/158_2016_patentesprogramacomputador.pdf)
[3] Exemplo de pedido de patente, identificado pela letra “A” ao final da numeração.
[4] Exemplo de patente concedida, identificado pela letra “B” ao final da numeração
[5] Exemplo de patente PCT, identificada pelas letras “WO” antes da numeração
[6] Exemplo de desenho apresentado o diagrama de como a informação é processada em um sistema
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